Caderno de Resumos

Adriele Lima de Figueiredo (UFF)

Quanto às singraduras: uma interlocução entre as Navegações de Sophia de Mello Breyner Andresen e a Carta de Pero Vaz de Caminha

O intuito deste trabalho é investigar o livro Navegações, de Sophia de Mello Breyner Andresen, num diálogo com a Carta de Pero Vaz de Caminha. Na obra andreseniana, a escritora na condição de poeta viajante do “século aéreo”, explora o profundo percurso de ascensão e declínio da expansão marítima. A viagem como temática central investiga a psicologia lusitana, que enaltece o desejo pela navegação, o louvor às descobertas, os primeiros contatos entre-oceanos e suas glórias heróicas testemunhadas e protagonizadas pelos viajantes invocados em seus versos. Das invocações estabelecidas no livro de Sophia, destacamos a do escrivão português, Pero Vaz de Caminha, a fim de produzir um estudo analítico e comparativo com a sua Carta ao rei Dom Manuel I. Diferentes textos que se debruçam pelos primeiros encontros que tiveram os navegantes portugueses com as terras novas no contexto da empreitada portuguesa das grandes navegações. Para isso, o estudo busca percorrer e entender os deslocamentos possíveis no tempo, no espaço, e nos gêneros das obras, atentando-se na busca por aproximações e disparidades.

 

Ana Beatriz Vargem Pinheiro (UFF)

A política Mariana e a ideia de uma “Viradeira”: perspectivas para o reinado de D. Maria I (1777-1799)

Em 1777, iniciava-se em Portugal uma nova conjuntura política. Após o falecimento do Rei, D. José I, subia ao trono sua filha, D. Maria I, para assumir seu lugar como Rainha, inaugurando o período que ficou marcado na historiografia por “Viradeira”. Das modificações propostas pela governante no tempo em que esteve a frente do Império luso-brasileiro, algumas poderiam apresentar uma postura de retrocesso em relação as chamadas reformas pombalinas, como o reestabelecimento de certos nobres afastados da ambiência da Corte ou a reintrodução de estudos religiosos na Universidade de Coimbra. No entanto, outras medidas se mostraram capazes de atestar uma maior conformidade com as Luzes e a modernidade que, com algum esforço, desenvolviam-se no Reino, bem exteriorizadas na criação da Academia Real das Ciências de Lisboa, em 1779. Nesse sentido, a proposta dessa comunicação é discutir o caráter do reinado Mariano, principalmente a ideia de “Viradeira”, no intuito de demonstrar como esse período (1777-1799), longe de ter sido um atraso, quando comparado às medidas pombalinas, buscou dialogar com uma ideia de modernidade que não conflitasse diretamente com a política absolutista.

 

André Luís Gardel Barbosa (UNIRIO)

Pessoa Xamã

Ao se buscar aproximar os procedimentos criativos e modos expressivos pessoanos do universo experiencial estético-agentivo xamânico - especialmente do xamanismo amazônico horizontal -, este trabalho se propõe a levar ao extremo leituras que sublinham as potências extraocidentais subjacentes à imagem-noção desassossego, já efetuadas por teóricos como Eduardo Prado Coelho e José Gil. Apesar de partir de imaginários e expressividades claramente distintas, quer encontrar contiguidades conceituais e similaridades de (in) ação entre o mundo mítico performativo do pajé e a (des) construção poética de Pessoa. Com esse fim, faz dialogar, por exemplo, a viagem extrospectiva xamânica e os estados letárgicos sensório-cognitivos pessoanos. Ou a vigília onírica especulativa do pajé em confronto com a experimentação da vida transformada em sonho do poeta português. Ou, ainda, no aspecto expressivo, a performatividade polienunciada de um sujeito xamânico, que é um feixe de alteridades, diante da heteronímica de Pessoa.

 

Angela Laguardia (CLEPUL)

António Ferro, um singular protagonista do Modernismo luso-brasileiro

As revistas literárias tiveram papel preponderante no contexto dos Modernismos luso-brasileiros e forneceram estrutura ao movimento. Espaço de difusão, arregimentação e divulgação, elas contribuíram para um trabalho crítico e teórico, assim como promoveram o intercâmbio entre as artes e a literatura. O nosso artigo pretende refletir sobre o papel do escritor, jornalista e principalmente, do editor António Ferro. Figura controversa e conhecida pelo seu ativismo político, António Ferro foi ao mesmo tempo um notável promotor das artes e da literatura no cenário do Modernismo luso-brasileiro.

 

Antonio Carlos Secchin (UFRJ/ABL)

22 e depois: o que não se disse sobre a Semana

Muito se estudam os efeitos da Semana de 22 na cultura brasileira, mas pouco se atenta para o que efetivamente foi apresentado no Teatro Municipal de São Paulo. A proposta é retornar à cena original, para examinar o que então se propôs, e, em especial, apontar silêncios e omissões que cercam a Semana de 22.

 

Artur Vinicius Amaro dos Santos (UFRJ)

“Hoje Somos Festa, Amanhã Seremos Luto” – uma mudança no paradigma da representação do luto da literatura moderna para a cultura popular contemporânea

O poema “Favelário Nacional” de Carlos Drummond de Andrade, presente no livro Corpo (1984) e o Funk “Vida Bandida parte 1” (2009) de Mc Smith, composição de Thiago dos Santos (Praga), podem parecer distantes temporalmente e tematicamente, mas tem vários pontos de contato. Mas o ponto mais intrigante entre eles talvez seja a representação do luto, que passa, em Drummond da representação do luto do outro, para, no funk, a representação do luto de si mesmo. Poncioni (2009) apontou que Drummond que escrevia “(...) à glória dos desvalidos, à glória das favelas e de seus habitantes”.Inserida no contexto histórico de um Brasil prestes a redemocratização, essa fala não deixa de apontar para uma Necropolítica: um descaso com as favelas, mas, sobretudo, com a desocupação, apontada na 12° estância do poema, intitulada “Desfavelado”, onde o indivíduo perde tudo ao ser retirado do seu espaço. No Funk Contemporâneo é possível observar um processo de Favelização quando observamos que Smith canta uma “vida Bandida” que não se limita a um indivíduo, mas a uma narrativa que fala de vidas atravessadas pela Necropolítica e pela desfavelização, apontada por Drummond. Essas produções então inserem a partir de um olhar local o contexto de vida, o cotidiano da favela, as relações com a violência, outra cartografia para o espaço da favela a partir da relação entre o sujeito e o espaço e aponta para uma mudança do olhar para o luto. Drummond observa essa Necropolítica, a morte e fala dela, como um sujeito externo a favela. Smith canta, a partir da letra de Praga, uma observação dessa mesma Necropolítica, de dentro da favela, mudando o olhar sobre essa morte, como algo esperado, mas mostrando uma vida que tenta se Re-favelizar o tempo todo. Nessa comunicação, pretendo pensar a passagem da representação da morte e do luto, aproximando a 12° instância do poema “Favelário Nacional” de Drummond, da música “Vida Bandida Parte 1” de MC Smith para observar a mudança no paradigma onde a representação por meio da palavra passa da percepção de quem olha e fala do outro, para quem vive e fala de si.

 

Bianca Gomes Borges Macedo (UERJ)

Modernidade na contística de Guiomar Torresão a partir das personagens femininas

O presente trabalho apresenta uma análise da representação das personagens femininas Clotilde e Sereia no conto “Sereia” da obra Idílio à inglesa (Contos Modernos) (1886), de Guiomar Torresão. Tendo em vista a definição de “modernos” que a própria escritora deu aos contos dessa coletânea e da figuração da personagem Sereia, arquétipo da mulher sedutora, procurar-se-á demonstrar que Torresão produz um afastamento da estética romântica e um diálogo intenso com o realismo-naturalismo. Buscaremos perceber de que modo ela buscava uma ruptura com os moldes patriarcais e conservadores impostos às mulheres na sociedade oitocentista.

 

Carmem Lúcia Negreiros (UERJ/CNPq)

O trem e a nação. Da Belle Époque à biblioteca contemporânea

As primeiras décadas do século XX, 1900-1920, apresentam intenso processo de modernização do espaço urbano, com incremento de inovações tecnológicas, deslocamentos espaciotemporais e transformações políticas e econômicas. Muito além da imagem de uma época de frivolidades, assistimos à reorganização de conhecimentos, linguagens, espaços, redes de comunicação e o enfrentamento das questões em torno de o que é o Brasil? Quem são os brasileiros? Os intelectuais se envolvem num projeto de conhecimento do país a partir das viagens de trem que levam a diferentes lugares, entre eles o sertão, um enclave no desenho de nação e suas contradições incontornáveis. Como a viagem de trem não é uma experiência passiva, a comunicação pretende acompanhar as escolhas de viagens de diferentes escritores e escritoras cujos temas e estratégias estão presentes em obras literárias contemporâneas.

 

Clarice Zamonaro Cortez (Univ. Estadual de Maringá)

A representação do sagrado cristão em poemas e ilustrações do livro Poemas de Deus e do Diabo, de José Régio

José Régio figurou como um dos grandes nomes do Segundo Modernismo Português. Diretor da Revista Literária Presença, defendeu a espontaneidade e a sinceridade como premissas da criação artística. Dentro do Presencismo, foi clara a ênfase dada à visão como motivo literário e como forma de observação e de questionamento interior, sendo inegável a atenção demonstrada pelo grupo aos aspectos gráficos e plásticos, na obra de José Régio. Dono de um expressivo símile plástico, permitiu que as imagens emanassem livremente de sua produção poética. Além de poeta e escritor, também foi ilustrador e pintor, sendo esse um de seus grandes méritos. Artista completo, Régio foi capaz de expressar sua visão do homem, do mundo e da fé por meio de duas leituras: o texto e a imagem. O diálogo entre o Homem e Deus, em que o questionamento interior leva o primeiro a reavaliar as bases de sua formação religiosa e a buscar incansavelmente a compreensão do Absoluto. A religiosidade, embora se faça presente, choca-se constantemente com a necessidade dos prazeres carnais. Tem-se, então, um jogo entre o sagrado e o profano, em que o primeiro – representado por Cristo, pelas figuras bíblicas de Adão e Eva, por anjos e santos – se enfraquece ante a sedução do profano.

 

Dionisio Vila Maior (Univ. Aberta)

Os Modernistas: do reconhecimento do efémero à consciência da totalidade

Enquadrado pelo pressuposto teórico segundo o qual o sujeito modernista se pluraliza literariamente, também em consequência dialógica de um contexto em crise; lembrando que (seduzido pela ideia da superação de uma crise que o inquieta, assim como pela ideia de “totalidade”) o sujeito modernista se “debate” continuamente com esse contexto; recordando que a especificidade da prática estético-literária modernista variavelmente se encara como uma atividade através da qual se considera poder aceder-se, pelo menos de um ponto de vista estético, a uma determinada “plenitude”; não esquecendo a extrema lucidez que o sujeito modernista demonstra possuir acerca de si mesmo e do real... procurarei refletir sobre a possibilidade de podermos considerar o “triunfalismo”, a “desumanização” e a “plenitude” do sujeito modernista como virtualidades estético-literárias que encontram a fórmula definitiva numa noção nuclear: a relação entre indivíduo e coletividade traduz-se na afirmação de sujeitos que representaram, afinal, a consciência de uma determinada totalidade, mas também a impossibilidade dessa mesma fruição.

 

Edneia Rodrigues Ribeiro (IFNMG)

O poeta no jornal: textos dispersos de João Cabral de Melo Neto

Este trabalho pretende apresentar um texto inédito em livros de João Cabral de Melo Neto, bem como contextualizar sua colaboração em rádios e jornais brasileiros, durante a década de 1950. Nesse período, foi possível constatar mais de 60 ocorrências envolvendo o seu nome no jornal Diário de Pernambuco. Entre notícias, entrevistas, comentários em colunas sociais, análises de sua obra e publicações de alguns poemas, posteriormente recolhidos em livros, destaca-se o ensaio “Nota sobre a poesia taurina de Rafael Alberti”, divulgado na edição de 00286, de 14 de dezembro de 1952. Além de não aparecer em volumes de obra reunida, nem no livro Prosa (1997), não consta no Inventário analítico do espólio documental de João Cabral, salvaguardado pelo Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação Casa de Rui Barbosa. Trata-se, portanto, de um texto disperso cujo registro no Diário de Pernambuco impediu que se perdesse.

 

Eduardo Narciso Bicalho (UFRJ)

Reflexões sobre um poeta inventado: Petar Stamboliski e a angústia heteronímica de se reconhecer como linguagem

Num momento onde os limites formais da literatura estão sendo tensionados por um grupo de autores contemporâneos da literatura portuguesa, a Enciclopédia da Estória Universal de Afonso Cruz se destaca por extrapolar os limites do real justamente em um suporte em que a verdade e o conhecimento científico são as premissas mais básicas. Os verbetes da Enciclopédia apresentam personagens-autores, criados por Cruz, que se misturam a autores reais e ilustram a tensão entre a verdade e o fingimento que está em jogo aqui. O volume intitulado As reencarnações de Pitágoras, sugere que alguns desses personagens-autores seriam transmigrações do filósofo grego. A descrição é muito similar ao jogo heteronímico de Fernando Pessoa, pois trata-se de uma alma que não se limita à lógica espaço-temporal, podendo dividir-se em várias e ter diversas vidas ao mesmo tempo, da mesma forma que a alma de Álvaro de Campos, que “(...)partiu-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso”. Essa pesquisa toma como recorte o poeta Petar Stamboliski e seus poemas, que ao tratar de temas triviais, revela em segundo plano uma grande angústia de se reconhecer  como um ser fragmentado que existe apenas como linguagem, como os heterônimos de Pessoa.

 

Eliana Maria Filetti Martins (UEM)

Odes, de Miguel Torga: a poesia como ligação do artista com a terra e com as forças telúricas

O presente pré-projeto tem como objetivo principal o estudo da poesia do escritor e poeta português Miguel Torga (1907-1995), na obra Odes, publicada em 1946, em Coimbra. A temática desenvolvida refere-se ao sentimento profundamente telúrico (água, terra, fogo e ar), e a presença e a função da paisagem portuguesa presente na obra em questão. Torga apresenta uma linguagem poética muito elaborada, desde a construção sintática dos seus versos à depuração vocabular, que reiteram sua tentativa de tecer as palavras de modo a desvesti-las de ornamentos para atingir a sua essência. Para o estudo da poesia e suas formas poéticas, estaremos apoiados em textos teóricos de Candido (2006), Paz (2012), Judice (1998), entre outros. Sobre a teoria do espaço e da paisagem, seguiremos os pressupostos de Collot, Ida Alves e outros autores que estudam a temática.

 

Fabíola Valle das Chagas Paschoal (PUC-Rio)

Sentindo tudo de todas as maneiras: ecos de modernidade

A presente proposta de comunicação visa a pôr em discussão questões caras à noção de modernidade a partir de textos do modernismo português e brasileiro. No modernismo português, buscarei,mais especificamente, focalizar esse traço em textos do heterônimo Álvaro de Campos, de Fernando Pessoa. Em sua obra ou, pelo menos, na parte mais moderna dela, não é incomum o surgimento de temas recorrentes como a efemeridade da vida, a questão da morte que está sempre à espreita e até uma espécie de metalinguagem, em que a própria questão da heteronímia se faz presente, com a ideia de sujeito múltiplo, fragmentado. Outro segmento que esta comunicação privilegiará é a busca articulada e bem-humorada dos traços que caracterizariam a nacionalidade brasileira a partir dos versos do Primeiro caderno do aluno de poesia, de Oswald de Andrade. Nesse sentido, nesta comunicação, pretendo trazer à luz elementos que posicionam os dois autores na ordem de um “discurso poético moderno”, no âmbito da forma – como versos livres, diferenças de registro ao longo do poema, metáforas ousadas/inesperadas, uso de neologismos, onomatopeias e estrangeirismos –, bem como no âmbito do conteúdo, o que se relaciona intimamente com as “convulsões” da modernidade.

 

Giovanna Dealtry (UERJ)

A modernidade performática de João do Rio: experiências de ruas e leituras

Ao longo do ano de 2022, ano do centenário da Semana de Arte Moderna, diversos eventos, publicações e debates procuraram questionar a centralidade do modernismo paulista na formação do cânone literário e artístico da primeira metade do século XX. O entendimento do modernismo como “marco zero” vanguardista, para a compreensão da identidade cultural brasileira e das inovações formais dos gêneros literários e da linguagem, teve como consequência o obscurecimento de obras e autores com distintas marcas da modernidade. Não se trata de inverter o método e ir na busca inútil por uma suposta “origem” de índices da modernidade em nossas letras. Interessa-me identificar como as modificações espaciais, tecnológicas, culturais do período foram assimiladas rapidamente por nossos literatos das primeiras décadas do século XX, resultando na formação de um modernismo específico, relacionado menos ao caráter de movimento e mais próximo da relação entre experiência e escrita. De forma específica, analiso algumas crônicas de João do Rio em diálogo com Gomes (1996), Velloso (2015) e Sarlo (2010). O objetivo aqui é perceber como João do Rio transita entre espaços marginalizados ou subalternos da cidade do Rio de Janeiro, enquanto articula-se como um performer da modernidade. Desse processo, resulta uma prosa esmerada no diálogo com autores brasileiros e da modernidade europeia e na experiência cotidiana com a cidade.

 

Horácio Costa (USP)

Aspectos da correspondência entre Jorge de Sena e José Régio

Por 23 anos – de 1946 a 1969 – José Régio e Jorge de Sena trocaram uma correspondência a bem dizer contínua. Manuscrita a parte escrita por Régio e datilografada a de Sena: primeiro sinal de que se tratava de poetas de duas gerações bem delimitadas, embora em contato frequente. Nesse sentido, o presente exposé trata de levantar tópicos nela tocados, desenvolvidos e, inclusive, escritos, mas não enviados, por incluir também uma interessante missiva escrita de São Paulo a Régio por Sena, pouco depois do golpe de 1964, arquivada então mas que, graças aos esforços de sua viúva, a saudosa D. Mécia, é publicada com as demais no volume que as reúne e dá mote, e é objeto, desta comunicação. 

 

Hugo Lenes Menezes (IFPI)

Narrativa Moderna Luso-Brasileira: O contributo de Alexandre Herculano

Genericamente, podemos dividir a literatura ocidental em clássica e moderna; a última a partir da valorização da prosa, inclusive a narrativa-ensaio, ou digressivo-dialógica, entre outros, de Fielding, Sterne, De Maistre, F. Schlegel, Tolstoi e, em particular na literatura luso-brasileira, a de Garrett, Herculano e Machado de Assis. Tal narrativa, já presente num Dante em ""Vita nuova"" (1294), vem a predominar, sob a crise da representatividade na arte, na modernidade novecentista e chega à nossa contemporaneidade. Os dois primeiros lusófonos aqui citados fundam a prosa moderna em Portugal, fato com ressonância no além-mar, nomeadamente no Brasil dos literatos oitocentistas. Um deles é o retromencionado autor da narrativa digressivo-dialógica ""Memórias póstumas de Brás Cubas"" (1881), depois da ascensão do romance, cuja modalidade genológica histórica, um marco da prosa burguesa, é tipicamente romântica e introduzida em vernáculo por Herculano. Esse, de igual modo, cultiva a ficção de atualidade na novela-ensaio “O pároco de aldeia”, inicialmente publicada na revista O Panorama em 1843. Assim, pelo exposto e mediante pesquisa bibliográfica, na comunicação ora proposta, objetivamos abordar o contributo de Alexandre Herculano para a narrativa moderna luso-brasileira.

 

Isabel Cristina Rodrigues (Univ. de Aveiro)

Do conto como cânone da poesia: Eça, Machado e as aporias da modernidade

Se nos propusermos ler os contos «Missa do Galo», de Machado de Assis (1893), e «Civilização» (1892), de Eça de Queirós, à luz da pauta categorial do conto, verificamos que a inquestionável modernidade da narrativa breve de Machado não se mostra propriamente reconhecível no conto queirosiano. Na esteira já antiga (mas inquestionavelmente moderna) de Poe, o conto de Machado procura mostrar por que razão o exercício narrativo é, neste género literário, tão necessário como malquisto – porque há sempre nele uma história para contar, mas dela conta-se apenas o seu rosto mais visível, cujo perfil secreto parece preferir recolher-se à virtualidade significativa de um instante que abre depois para o que o transcende em possibilidade de significação. Por seu lado, o conto de Eça, publicado pela primeira vez em 1892 na portuguesa Gazeta de Notícias (e que viria posteriormente a figurar como matriz do romance A cidade e as serras, publicado pelo autor em 1901), não acolhe a discursividade de fotograma que enforma o conto de Machado de Assis, ainda hoje profundamente moderno na defesa compositiva de uma brevidade que não pode medir-se em função do fio de lógica ditado pelo número.

 

Isabel Ponce de Leão (Univ. Fernando Pessoa/CER)

“Meter os estribos na barriga da burguesazinha” com parcimónia (o papel de José Régio e da revista presença)

A Semana de Arte Moderna de 1922 marcou decisivamente o rumo da cultura e da arte no Brasil tal como havia sucedido em Portugal com a Geração de Orpheu; contudo, a recepção destes movimentos, das suas ruturas e continuidades nem sempre foi inteligível e muito menos pacífica. Em Portugal, deve-se à geração de 1927-1940 - superiormente liderada por Régio e pela revista presença -, a divulgação, compreensão e boa interpretação dos diálogos interartísticos, bem como do projeto multicultural antecipador da contemporaneidade, veiculados pelos primeiros movimentos modernistas. A proposta de novas e diversificadas maneiras de fruir a arte e as suas diversas linguagens, apelando ao experimentalismo e à liberdade, são esclarecidas pelos presencistas que reabilitam os artistas, por vezes incompreendidos, que exitosamente integraram o chamado 1º modernismo.

 

Izabel Margato (PUC-Rio/CNPq)

O movimento modernista e suas configurações em poemas de Charles Baudelaire, Cesário Verde, Oswald de Andrade e Almada Negreiros

Num primeiro momento esta comunicação buscará apresentar as articulações existentes entre as categorias: novo, ruptura, tradição da ruptura, vanguarda e originalidade. A partir daí serão examinadas as tensões entre o estético e o ideológico; o cosmopolitismo e o nacionalismo. Também serão retomadas as teorias de modernização e suas determinantes em relação à inserção do produto cultural no campo político e social; a estética da ruptura e sua articulação com o tempo histórico. Ao incidir sobre os modernismos e a identidade cultural de Portugal e do Brasil, serão analisados alguns segmentos que unem ou separam o modernismo português do modernismo brasileiro. Manifestos modernistas, textos de intervenção e propostas estéticas.

 

Jorge Fernandes da Silveira (UFRJ/CNPq)

Agora tu, Cleonice, leitora moderna de Camões me ensina

Partindo de "A Épica", primeira seção dos Estudos Camonianos, de Cleonice Berardinelli, a comunicação desenvolve a hipótese de que a atenção da estudiosa à estrutura da epopeia clássica é a via de leitura para que n' Os Lusíadas, de Luís de Camões, sejam apreendidos os fundamentos do passado e, sobretudo, possam ser aprendidos os princípios de uma escrita nova, moderna.

 

Julieny Souza do Nascimento (UFF)

Viver a cidade: Lisboa na poesia portuguesa contemporânea

Uma parte considerável da poesia portuguesa contemporânea tem apresentado na matéria-emoção poética uma leitura/escrita de mundo que configura o ambiente urbano circundante e emite posicionamentos e questionamentos sobre a relação estabelecida entre o espaço físico/social e o sujeito. Os poetas lúcidos evidenciam, com recorrência, paisagens de cidades que se expandem desordenadamente, onde sujeitos urbanos vivem e convivem em meio à aceleração e à transformação constante do ritmo de vida, com a consequente dissolução das relações afetivas não só com os espaços, mas também entre os sujeitos. Golgona Anghel, Manuel de Freitas e Pedro Mexia, poetas contemporâneos nascidos ou radicados em Lisboa, apresentam, em suas obras poéticas, paisagens dessas cidades, expondo problemas urbanos e refletindo questões econômicas, políticas e sociais próprias à nossa contemporaneidade. O estudo dessas vozes em diálogo proporciona uma compreensão sobre o lirismo português mais recente, predominantemente atento à vida urbana e às tensões que permeiam o mundo ocidental do século XXI. Utilizando a perspectiva fenomenológica dos estudos de paisagem, no âmbito de uma geografia literária, sobretudo orientada pela abordagem de Michel Collot, importante pensador, no campo dos estudos de paisagem, da poesia moderna e contemporânea, o presente trabalho visa examinar o contexto em que os poetas portugueses se inserem, os poemas presentes em alguns de seus livros e as principais marcas de suas linguagens poéticas.

 

Karolyna de Paula Koppke (UFRJ/IBMEC-RJ)

Reeducar o olhar: Le mura di Roma e a construção de uma prática historiográfica "moderna" em Manuel de Araújo Porto-Alegre

Em “Araújo Pôrto-Alegre, precursor dos estudos de história da arte no Brasil”, Rodrigo Mello Franco de Andrade atribui àquele artista e homem de letras do Oitocentos a posição de “[...] iniciador dos estudos para a elaboração da história da arte brasileira durante o período colonial.” (1944, p. 120). Como se sabe, no trabalho cotidiano do antigo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), uma correlação estreita entre modernidade e história deverá efetivamente se estabelecer. Mas não qualquer história: uma narrativa específica, pautada por lógica que situe e mesmo justifique as ações no presente, será construída pouco a pouco enquanto agenda coletiva. Rechaçar o século XIX e classificá-lo como estrangeiro foi parte da estratégia de construção dessa narrativa. E então por que Porto-alegre? Tomando por referência a noção de “regime moderno de historicidade”, conforme proposta pelo historiador francês François Hartog (2021), nossa intenção, na presente comunicação, é verificar se e de que maneira a formação de Porto-alegre – com ênfase na viagem à Itália e nas aulas de arqueologia lá que tomou com Antonio Nibby – o teria levado a uma reorganização particular de passado – presente – futuro que conduziria, em última instância, à possibilidade de uma prática historiográfica a que podemos denominar “moderna”.

 

Leonardo Davino de Oliveira (UERJ)

Revisões do Modernismo nos gestos tropicalistas de Caetano Veloso

A comunicação pretende analisar como a poética de Oswald de Andrade está na base do pensamento de Brasil que Caetano Veloso desenvolve na canção popular. Para tanto vai analisar um poema de Oswald musicado e cantado por Caetano, e identificar a antropofagia enquanto dispositivo ético e estético da Tropicália.

 

Lucas Laurentino de Oliveira (UFRJ)

Poesia I, de Jorge de Sena - para uma crítica modernista

O ano de 1960 é significativo para a literatura portuguesa, pois marca os vinte e cinco anos da morte de Fernando Pessoa e a primeira publicação de sua obra poética, organizada por Maria Aliete Galhoz. É nesse mesmo ano que Jorge de Sena, já professor universitário no Brasil, escreve uma resenha sobre a referida edição da poesia pessoana, aproveitando para revelar que ele, ainda criança, chegara a conhecer o poeta modernista. De 1960, também, data a redação do prefácio de Poesia I, volume que colige os 5 primeiros livros de poesia de Sena, e o Ensaio de uma tipologia literária, longo estudo teórico que será publicado em livro anos depois, em Dialéticas da literatura (1973). A presente comunicação procura demonstrar como a publicação de Poesia I, e seu respectivo prefácio, indicam uma vontade de Sena de funcionar como elo entre o modernismo pessoano de Orpheu e a futura poesia portuguesa. Para isso, o prefácio, juntamente com o Ensaio de uma tipologia literária, inauguraria um novo perfil de crítico, capaz de estar à altura da revolução poética iniciada por Pessoa. Dessa forma, procurarei mostrar que Sena via a necessidade de uma crítica modernista, calcada em uma metodologia rigorosa, para dar conta das transformações pelas quais a poesia e a literatura passaram desde as vanguardas do início do século XX.

 

Luci Ruas (UFRJ)

Oswald e Almada, modernistas

Oswald de Andrade e Almada Negreiros, este, “poeta d'Orpheu futurista e tudo”, aquele, poeta que busca uma marcação temporal para a existência brasileira, que no Manifesto começa com o primeiro ato antropófago conhecido oficialmente; a “deglutição” do Bispo Sardinha, ambos críticos da realidade que os cerca, da literatura que repete modelos já ultrapassados, cada um a seu modo defendendo a proposta renovadora do movimento a que se filiou. Almada, ao movimento modernista de Orpheu, Oswald, ao modernismo brasileiro. Sem pretensão de novidade, o que pretendo é discutir aqui propostas por eles apresentadas em alguns de seus textos interventivos.

 

Lúcia Melo de Sousa (UFF)

Esboço comparativo de um possível pensamento animal em Carlos de Oliveira e Carlos Drummond de Andrade

A apresentação tem como objetivo fazer um esboço comparativo de textos de Carlos de Oliveira e Carlos Drummond de Andrade, dois expoentes e figuras incontornáveis dos Modernismos luso-brasileiro, para tentar delinear como se processa, a partir de um ponto de vista crítico aos pressupostos e valores da modernidade, digamos, eufórica e utópica, um pensamento reflexivo e ético a partir de uma visada zoopolítica. Para tal esboço, parte-se da leitura da crônica “Visitante Noturno”, do livro de crônicas Boca de Luar, lançado em meados de 1984, e do poema “Um boi vê os homens”, do livro de poesia Claro Enigma, de 1951, de CDA, bem como da leitura do livro de crônicas, suis generis, O Aprendiz de Feiticeiro, de 1971, e do romance, denominado por Manuel Gusmão de “coisa estranha”, Finisterra, de 1978, de Carlos de Oliveira. Para sustentar a minha hipótese de interpretação, recorro ao ensaio seminal de Derrida O Animal que logo sou, e do ensaio da professora Maria Esther Maciel, que apresenta e abre o debate sobre a questão animal nos estudos críticos brasileiros, Literatura e Animalidade.

 

Luiz Mário Ferreira Costa (USP)

As Narrativas Mitológicas Modernas: O Mito da Conspiração e da Salvação em Brasil e Portugal (1900 – 1930)

O objetivo dessa comunicação é analisar como intelectuais brasileiros e portugueses pensaram a modernidade, em seus respectivos países, a partir de um conjunto de relações imagéticas atuantes numa memória afetivo-social, manifestada na forma de narrativas mitológicas. Nessa perspectiva, destacaremos o processo de ressignificação e revisitação das tradicionais narrativas míticas do Caramuru e do Sebastianismo. Tais conteúdos foram identificados no interior de uma vasta literatura de matriz tradicionalista, conservadora e católica, cuja pesquisa foi realizada, especialmente, na Biblioteca João Paulo II da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e na Biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura (Rio de Janeiro). A principal justificativa para a realização dessa comunicação e, evidentemente, na continuação dessa pesquisa, está no ressurgimento contemporâneo de narrativas míticas, que questionam os princípios da democracia liberal. Assim, a ideia da vinda de um salvador capaz de livrar o mundo do sofrimento, aliada à crença de uma conspiração mundial para derrubar os pilares da civilização ocidental, que até bem pouco tempo poderia parecer um absurdo literário das primeiras décadas do século XX, hoje, porém, figuram no noticiário dos mais diversos veículos de comunicação de massa.

 

Luzia Ribeiro de Carvalho (UERJ)

A modernidade poética na obra de Gomes Leal a partir da crítica jornalística oitocentista

Gomes Leal (1848-1921), poeta e jornalista do final do XIX em Portugal lançou seu olhar para as mudanças sociais e urbanísticas ocorridas ao longo do século e revelou através da sua poesia indícios de um pioneirismo relacionado a uma modernidade poética até então não revelada entre os autores portugueses. Percebendo, através de críticas feitas ao livro Claridades do Sul, lançado em 1875, e recolhidas através da imprensa periódica brasileira no final do século XIX, que o autor era várias vezes alçado ao posto de moderno em suas poesias, buscamos fazer uma reflexão sobre as expressões da modernidade encontradas ao longo de seus poemas que foram publicadas na imprensa periódica brasileira. Tomaremos como base as diversas visões sobre modernidade ressaltadas por essa crítica.

 

Madalena Vaz Pinto (UERJ-FFP/PLLB)

Como fazer coisas com palavras: Almada Negreiros e a intervenção contínua

Leitura d´ O homem que não sabe escrever, de Almada Negreiros. Publicado em 1921 no Diário de Lisboa, este conto tem passado quase despercebido apesar da ampla fortuna crítica do autor. Quando citado, os comentários tendem a desconsiderar o seu hibridismo, ou seja, a passagem do gênero conto ao gesto performático.

 

Manuel José Matos Nunes (CER)

José Régio e a receção em Portugal do romance brasileiro dos anos trinta

Análise do acolhimento dispensado pela imprensa neorrealista de Portugal aos romancistas brasileiros dos anos trinta, nomeadamente Jorge Amado e Amando Fontes, em confronto com as posições de José Régio e do Movimento da "Presença".

 

Maria Isabel Cadete Novais (CER)

José Régio e a revista presença: marcos definidores do Segundo Modernismo Português

Quando se fala da revista "presença" implica ter de falar de um novo conceito de Arte e, consequentemente, de um dos seus mais devotos teorizadores e críticos - José Régio. Durante os treze anos de duração da revista, Régio foi, inequivocamente, o mais ativo e dedicado crítico e mentor estético da "fôlha de arte e crítica" [sic], além de fundador e diretor, a par de Branquinho da Fonseca (substituído por Adolfo Casais Monteiro) e de João Gaspar Simões. O espírito crítico de José Régio, a lucidez da sua doutrinação e os princípios programáticos, tanto a nível ideológico quanto formal que imprimiu às suas obras e à revista "presença" levam a que hoje se considere este autor o recuperador e divulgador dos autores do Primeiro Modernismo, bem como o principal condutor do movimento que definiu o Segundo Modernismo Português. Na atualidade, a quase um século de distância do seu aparecimento, a revista "presença" abre-se à realidade atual como uma janela para um novo conceito de Homem-Artista (incutido por Régio) e de expressão

 

Marina Otero Lemos Silva (UERJ)

O perfil de Branca de Gonta Colaço na imprensa do Brasil

No início do século XX, Branca de Gonta Colaço (1880-1945) era um nome proeminente se comparado ao de outras escritoras portuguesas do mesmo período. Tendo publicado poemas como Matinas (1907), Canções do meio-dia (1912) e Últimas canções (1926); peças de teatro como Auto dos faroleiros (1921), e realizado conferências, a vida e a obra da autora serviram como fonte de notícias nas páginas dos jornais brasileiros, antes, durante e depois de sua estadia no Rio de Janeiro em 1908. Por meio de pesquisa na Hemeroteca Nacional Digital da Biblioteca Nacional, foram encontradas, no jornal O Paiz, da capital, por exemplo, 51 ocorrências sobre Branca de Gonta Colaço. São artigos, notas e comentários com os mais variados fins – de notícias a respeito do seu comparecimento a algum evento à promoção de alguma obra sua. Esses resultados nos permitem traçar um percurso biográfico e profissional da autora no Brasil, perceber sua relevância na sociedade brasileira e analisar como ela criou uma persona de poetisa profissional.

 

Marlon Augusto Barbosa (UFF)

Sintoma Pessoa

Segundo o filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman, a palavra “sintoma”, em sua etimologia, “remete àquilo que cai”. Ele nos diz que “com [o sintoma], os próprios signos explodem: jorram em ramalhetes, depois desmoronam”. Partindo dessas considerações, isto é, da noção de sintoma desenvolvida por Didi-Huberman, este trabalho pretende pensar como a poética de Fernando Pessoa pode ser lida como um sintoma no início do século XX. O sintoma, como diria Freud, é uma espécie de corpo estranho que mantém uma sucessão constante de estímulos e reações no tecido em que está encravado. Que efeitos de desmoronamento a poética de Pessoa provoca no tecido da História? Essa poética que cai, que explode, que jorra, que desmorona não deixa de apontar para aquilo que Haquira Osakabe chamou de uma resposta à decadência. Não foi à toa também que Teresa Cristina Cerdeira chamou a atenção para uma “imagem recorrente do cair por uma escada abaixo” nos poemas de Pessoa. A partir dessas imagens que se repetem (cair, partir, ferir) por toda a poesia pessoana, migrando de heterônimo em heterônimo, que retornam e que, consequentemente, apontam para um abalo na representação do sujeito, busca-se pensar como é possível ler a obra de Fernando Pessoa como aquela que formula, no turbilhão da modernidade, um sintoma ou uma possível imagem sobrevivente – fantasmática sobretudo – do sujeito. Depois de uma aventura suicida do poeta, os seus poemas e seus heterônimos, como fantasmas, constroem uma poesia repleta de fissuras, dilaceramentos e abalos na constituição de um sujeito. A noção de sintoma nos ajuda a pensar a obra de Pessoa como aquela que insiste no “eu” para destituí-lo.

 

Marseille Lopes Costa (UERJ)

Luxúria e Performance em Beatriz Delgado

O futurismo é um movimento de vanguarda fundado pelo escritor italiano Filippo Tommaso Marinetti, em 1909, com a publicação do Manifesto Futurista. Como primeira mulher a unir-se ao movimento, a escritora francesa Valentine de Saint-Point publicou o Manifesto da Mulher Futurista (1912), que escreveu em resposta às ideias misóginas presentes no texto de Marinetti, e o Manifesto Futurista da Luxúria (1913). O modo peculiar de ver e sentir o mundo dos autores provocou o surgimento de uma literatura mais ousada e de caráter erótico, como os textos da escritora portuguesa Beatriz Delgado (1900-1993). Contemporânea de Valentine de Saint-Point, Delgado propagou, nos anos 1920, um discurso semelhante ao da escritora francesa, ao defender veementemente, a partir de um ponto de vista futurista, uma nova representação do feminino. Dentro dessa perspectiva, buscamos aqui associar a poética de Beatriz Delgado, famosa em seu tempo, mas ignorada pela crítica e pela historiografia literária, ao movimento modernista, pois suas composições, textos performativos por excelência, provocaram novos olhares para a condição da mulher na arte e na cultura.

 

Mônica Genelhu Fagundes (UFRJ/PPLB)

Um fantasma em presença: figurações da Ninfa na obra poética e visual de Saúl Dias/Julio

A Ninfa é descrita pelo historiador da arte Aby Warburg como uma figura feminina fluida, de vestes enfunadas pelo vento e cabelos flutuantes, que atravessa a história, fazendo-se reconhecer em momentos e espaços culturais muito distintos. O movimento que caracteriza tanto cada uma de suas aparições (seja em peças visuais, seja em textos literários) como a sua migração de uma a outra dessas obras concedem-lhe o estatuto de uma alegoria teórica da sobrevivência (Nachleben), definida pelo pensador alemão como a emergência de elementos e saberes de outros tempos, a princípio superados, que no entanto ressurgem, quais fantasmas redivivos, provocando uma reflexão sobre o sentido da história e atuando como uma “citação crítica” que desestabiliza o cenário do presente pela intrusão tensionadora do passado. Neste trabalho, perseguimos figurações da Ninfa warburguiana nos poemas de Saúl Dias e nos desenhos e nas aquarelas de Julio, em que ela surge com impressionante frequência, buscando compreender o que essa reincidência significa em termos de pensamento sobre a poesia, a arte em geral, a história, a modernidade e o modernismo. Sustentam nossa leitura, além dos apontamentos fundadores de Aby Warburg, as reflexões de Walter Benjamin e de Georges Didi-Huberman.

 

Patricia da Costa e Silva (UFRJ)

Rio e Lisboa: ligações modernas nas tramas urbanas sob a ótica de Rachel de Queiroz e Almada Negreiros

O presente trabalho tem o objetivo de evidenciar a importância das paisagens urbanas cariocas descritas nas crônicas de Rachel de Queiroz (1910-2003) e de artistas imigrados para o Rio na década de 1940 e, em Lisboa, das cenas constituídas pelos escritores ou artistas vinculados à ideia de modernidade nessa mesma época, principalmente representado pela figura de Almada Negreiros. Essa dupla visão de paisagem permite perceber-se a relação de proximidade entre essas duas capitais, incentivando o resgate de uma memória individual e coletiva simultaneamente. Através dos relatos de experiências vividas, Rachel propõe-se uma narrativa que se apoia na confiança, e na verdade que se estabelece entre o narrador e o ouvinte, convidados a mergulhar num universo descritivo presente principalmente em suas crônicas. Através da narrativa de Rachel de Queiroz associada aos registros históricos e literários presentes no Real Gabinete Português de Leitura em consonância com registros artísticos realizados no século XX, busca-se produzir material literário capaz de instigar o leitor ao desejo de aguçar seu olhar crítico da cidade do Rio de Janeiro, levando-o à reflexão e ao convite de mergulhar no passado para ressignificar o presente e construir o futuro. A escolha pela grande autora em destaque, como também pelo universo literário lisboeta, do qual pode ser destacado o artista e escritor Almada Negreiros (1893-1970), justifica a valorização da literatura brasileira e portuguesa tão fundamentais para a construção de um conhecimento a respeito dos costumes, da essência, da história, enfim, da formação do povo brasileiro.

 

Rafael Carlos dos Santos (SEED-PR/UEM)

As encruzilhadas de Deus e o percurso dramático de José Régio: a busca pelo ignoto deo e o espaço/paisagem como reveladores dos sentimentos do eu lírico

A presente dissertação propõe uma reflexão sobre poemas da obra As Encruzilhadas de Deus, publicada em 1936, de José Maria dos Reis Pereira, nome civil do poeta José Régio. Pertencente ao Segundo Modernismo Português (1927), ele foi um dos idealizadores do Presencismo e da Revista Presença. O movimento teve como base o ensaio “Literatura Livresca e Literatura Viva”, de sua autoria, defendendo a importância do trabalho intelectual e sensitivo, a figura e a crença em Deus, no divino ou no Absoluto, colocados em um plano atemporal, acima de todas as vinculações históricas ou concretas. Rejeitou, porém, a ideia de que a arte pudesse submeter-se a quaisquer princípios que não os artísticos, livrando-se dos academicismos e do compromisso com uma literatura socialmente engajada. Dentre os trinta e um poemas do livro As Encruzilhadas de Deus, foram selecionados: “Meu menino, ino, ino” e “Nocturno”, do Livro Primeiro; “Carta de amor” e “Poema do Silêncio”, do Livro Segundo; “Poema da Carne-Espírito”, do Livro Terceiro e o poema “Sarça Ardente”, do Último Livro. O nosso objetivo principal foi demonstrar a constante busca do sujeito lírico pelo ignoto deo e os conflitos intensos do ser humano. Nosso trabalho se justifica pela continuidade dos estudos sobre a poesia regiana, que sempre nos despertou o desejo de um aprofundamento sobre o poeta, sua vida, obra, ideias poéticas e aspirações. O espaço e a paisagem, presentes nos poemas, foram considerados como elementos reveladores do estado de espírito do sujeito lírico. Para a elaboração das seções teóricas da dissertação, a metodologia aplicada foi através de leituras de textos históricos e críticos sobre a vida e a obra de José Régio. Foram considerados os pressupostos teóricos dos autores: Bosi (1977; 2010), Paz (1982), Durkheim (1996), Júdice (1998), Borges (2000), entre outros. Sobre as ideias críticas da obra de Régio, valemo-nos das propostas de Casais Monteiro (1972), Lisboa (1978), Lourenço (1987), Otto (1992), Valéry (1999), Guimarães (1999), Moisés (2000) e artigos do Centro de Estudos Regianos. Para as considerações sobre o espaço e a paisagem, as obras de Blanchot (1987), Adorno (2003), Joly (2010) e Collot (2013), foram de grande valia. O estudo de As Encruzilhadas de Deus objetiva, finalmente, contribuir à fortunacrítica dos estudos sobre a obra poética de José Régio e à linha de pesquisa Literatura e Historicidade, do Programa de Pós-Graduação em Letras da UEM.

 

Raphael Felipe Pereira de Araujo (UFRJ)

Sob os despojos do mar: surrealismo e sobrevivência em Portugal

No cenário da modernidade cultural portuguesa, o surrealismo ocupa um lugar de constante tensão. Tanto pelos desafetos que uma figura como Mário Cesariny colecionou, entrando em embates com outros poetas modernos, como Fernando Pessoa ou Jorge de Sena – embates sempre reveladores de modos de pensamento a um passo semelhantes e conflituosos, numa contradição própria da experiência moderna – quanto pela própria forma de surgimento do surrealismo nas letras e nas artes portuguesas. Caracterizado como “tardio” pela crítica, o surrealismo português parece ter abraçado o anacronismo, assumindo esta fragilidade como uma virtude e como força estruturante de sua atuação. A comunicação busca pensar a presença fantasmática do surrealismo em Portugal, entendendo que o movimento declaradamente se ergue “contra a História” (CESARINY, 1997 [1966], p. 14) enquanto disciplina que acaba por enclausurar a poesia em um discurso linear e totalizante. Nesse sentido, propomos um diálogo entre os surrealistas portugueses e autores como Aby Warburg e Georges Didi-Huberman, que também perseguem uma concepção histórica que abraça a não-linearidade, os espectros e o anacronismo.

 

Rodrigo Xavier (UFRJ)

Cleonice, eterna mensageira da voz de Pessoa no Brasil

Cleonice Berardinelli é uma voz que ecoa Fernando Pessoa no Brasil. A partir da defesa de sua tese sobre o poeta em 1958, Cleonice foi mensageira dessa interminável obra por mais de 70 anos e protagonizou estudos pioneiros sobre o espólio de Pessoa, o que lhe conferiu um lugar de destaque nos estudos pessoanos.

 

Sérgio Luís Silva de Abreu (UERJ / Colégio Sagres) 

Os Fidalgos da Torre (1936), de Sarah Beirão: uma narrativa feminista no Estado Novo

Dada sua vastidão, a obra de Sarah Beirão (1880-1974), hoje ainda pouco estudada, chama atenção no conjunto da literatura de autoria feminina da primeira metade do século XX em Portugal. A autora, que foi uma voz potente do feminismo durante o Estado Novo, presidiu o Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas entre 1936 e 1941. Além disso, no mesmo período, foi diretora e editora da revista Alma Feminina, importante veículo na difusão das ideias de diversas feministas portuguesas e estrangeiras, publicando textos daquelas mulheres, além de homenageá-las. Sabemos que, durante o período Salazarista, era crescente a onda conservadora sobre as atividades que poderiam ser desempenhadas por mulheres, entretanto, vozes como Sarah Beirão produziram ativamente em contraponto com o modelo político. Sua produção édita conta com 16 livros e uma vasta publicação na imprensa periódica. Dedicamo-nos, nesta comunicação, a analisar o romance Os Fidalgos da Torre (1936) para ilustrar como a autora constrói suas personagens femininas e como as ideias feministas impactaram sua obra. No livro, as mulheres têm representações positivas e demonstram erudição, acompanhando a defesa do ideal de emancipação pela educação que transpassava os pensamentos de Sarah Beirão, uma voz potente em sua geração.

 

Tatiana Prevedello (UFRGS)

Figurações da memória e do silêncio sob o viés da maternidade e do trágico em Milton Hatoum e António Lobo Antunes

O objetivo do presente estudo é aproximar, sob a perspectiva comparativa, algumas linhas hermenêuticas que configuram os romances Relato de um certo Oriente (1989), de Milton Hatoum, e Até que as pedras se tornem mais leves que a água (2017), de António Lobo Antunes. Em ambas as narrativas, moduladas sobretudo pela perspectiva na memória, está presente a figura de duas personagens cuja maternidade é marcada pelo silêncio absoluto acerca da identidade paterna e pelo destino trágico, que vitima as filhas de ambas as mulheres: Soraya Ângela, a menina surda-muda no romance de Hatoum, morre na infância em decorrência de um grave acidente; a filha inominada da personagem Emília, no enredo loboantuniano, comete suicídio aos quinze anos. Neste âmbito, pretendemos nos adentrar em mecanismos memorialísticos que configuram a forma como as duas mães ficcionais, construídas sob os auspícios do silêncio, são representadas narrativamente em seus embates com a ausência paterna, a tragédia e a morte.